domingo, 10 de maio de 2009

Fechando a lista, abrindo perspectivas

Há coisa de dois anos tentei dar início, na versão anterior deste mesmo blog, a uma discussão sobre a reforma política (quem tiver curiosidade pode buscar no endereço daquele blog, ainda no ar: http://otaoeatal.zip.net/, os posts dos dias 7 de junho e 9 de julho de 2007). Como aquele momento correspondeu a mais uma tentativa frustrada de se fazer o assunto avançar no Congresso Nacional, acabei deixando-o de lado (assim como praticamente mal consegui me mobilizar para escrever informalmente sobre política desde então).
Hoje o debate volta com força, sabe-se lá até quando, e com que desdobramentos. Mas à parte algumas mudanças conjunturais interessantes com relação ao contexto de 2007 – que a rigor, por enquanto só vislumbro, sem maior clareza – chama-me a atenção, primeiro, a redução da agenda da reforma aos temas do financiamento público de campanhas e da introdução do voto proporcional com lista fechada. Mas acima de tudo a recorrência e a veemência de alguns dos argumentos que vêm sendo mobilizados contra ambas as inovações.
Muito distante de poder exibir a segurança tão peremptória com que certas sumidades já vão descartando e condenando tais propostas, não creio que possa abordar tema tão complexo, de maneira razoável e definitiva, em alguns poucos posts (quanto mais como tem sido feito, na mídia, em certas colunas ou artigos de opinião tão certos de suas razões claras e superiores).
Por isso vou me propor a começar abordando somente alguns pequenos argumentos que vêm sendo mobilizados no debate, para ver se contribuo com algum esclarecimento. Quem sabe, dessa vez, não consigo dar continuidade à empreitada, e chego a alguma conclusão no debate com você, leitor(a) e internauta?
O primeiro ponto importante que se tem em mente quando se propõe substituir o atual sistema de lista aberta por fechada, nas eleições proporcionais – bem entendido: para vereadores, deputados estaduais e federais – é que assim se operará uma transferência de decisão. Ao invés de caber ao eleitor a escolha individual de seu candidato, como se dá hoje – ao lado do voto opcional na legenda partidária –, com a lista fechada é o partido que se apresenta pedindo votos, com uma relação de candidatos arrolados em ordem preferencial por uma decisão interna sua: 1º Fulano, 2º Sicrano, 3º Beltrano, e assim por diante. Beltrano só se elegerá, portanto, se o partido em questão obtiver votos suficientes para ocupar pelo menos três cadeiras no parlamento em questão. Caso contrário, entram só Fulano e, talvez, Sicrano. Na pior hipótese, nenhum dos dois. De qualquer modo, o eleitor agora terá de sujeitar suas escolhas e cálculos sobre candidaturas individuais à decisão partidária. Se quiser, por exemplo, eleger um candidato no 10º lugar da lista, terá de torcer (ou trabalhar) para que o seu partido – e agora ele forçosamente será um eleitor de partido – obtenha votos suficientes para, pelo menos, dez cadeiras. Seu poder atual, de livre escolha de indivíduos, passará em grande medida para o controle do partido.
Ora, isto significará perda de poder e liberdade para o eleitor? Liberdade, sim, certamente. Poder? Tenho minhas dúvidas.
Hoje, com a lista aberta, o eleitor realmente pode escolher livremente, sem nem mesmo se preocupar com qualquer consideração de ordem partidária ou estratégica maior. Se ele gosta, ou confia, se identifica ideológica ou programaticamente, ou tem interesse pessoal e/ou corporativo num determinado candidato, pode votar nele sem maiores preocupações. Acontece, porém, que a não ser no caso dos grandes e raros supercampeões de voto – capazes de sozinhos garantir sua própria eleição, independentemente da performance de seu partido ou coligação – mesmo o mais carismático e autônomo candidato individual depende da sua chapa para eleger-se (daqui para frente todo o meu raciocínio tem como pressuposto não só a raridade relativa deste personagem, mas também as dimensões e características de um colégio eleitoral como, por exemplo, o da cidade do Rio de Janeiro). Dada a magnitude da competição, a oferta de candidatos e, acima de tudo, o modo como os incentivos à escolha individual reduzem a previsibilidade do desempenho eleitoral dos partidos – ainda mais complexos por conta dos efeitos das coligações, – mesmo a escolha mais bem informada e racional possível da parte de um eleitor por um candidato individual se assemelha muito mais a uma aposta lotérica, do que ao exercício de um poder efetivo de escolha. Você pode até saber muito bem, como eleitor, porque livremente escolheu Fulano, mas para dar ao seu voto a conseqüência e o poder necessário – ou seja: contribuindo conscientemente, de fato, para eleger seu representante, e dando a esta escolha o sentido real de uma decisão política, e não apenas o de simples manifestação mais ou menos isolada de um desejo ou vontade – você certamente não contará com o mínimo de informações necessárias, e mesmo que as possua em profusão muito maior do que o comum dos mortais, não terá como assegurar-se de seu valor estratégico, dada a insuperável margem de incerteza num sistema como o atual: em que a maioria esmagadora vota em indivíduos cuja eleição depende do desempenho relativo de coligações muito diversas, com uma infinidade de candidatos competindo todos entre si – inclusive com seus próprios colegas de chapa e partido. Cada qual, inclusive, com os vários recursos desiguais de campanha que é capaz de amealhar e utilizar, por conta própria. É por isso, por exemplo, que ocorre de candidatos relativamente bem votados não se eleger – porque sua chapa ou coligação não obteve cadeiras suficientes para garanti-lo – e, ao inverso, candidatos pobres de votos chegarem aos parlamentos puxados por grandes campeões individuais. No primeiro caso, os eleitores fizeram sua parte, mas a agregação imprevisível dos votos individuais e coletivos os traiu; na segunda, o sistema operou por conta própria, sem maior relação direta com as intenções dos eleitores.
O que ocorreria então, nesse caso, se as listas forem fechadas? Ora, toda a racionalidade do cálculo fica alterada. O eleitor sabe – ou aprenderá em breve – que o importante é o desempenho do partido, que sua eventual inclinação por escolher individualmente dependerá de considerações sobre o partido. Que, inclusive, terá aumentado ou reduzido as chances do seu candidato, muito antes da ida às urnas. E não depois, como, em grande medida, se dá hoje.
A incerteza, certamente, será menor.
Resta saber qual será a vantagem relativa dessa redução de incerteza, diante das outras implicações da adoção do sistema.
Em especial, diante da perda de liberdade de escolha, transferida agora, de modo decisivo, muito mais para o interior dos partidos.

(a continuar)

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